O Declínio dos FPS: Como o gênero mais popular dos games perdeu sua identidade
FPS já dominaram os games, mas hoje lutam contra a própria descaracterização. Entenda o declínio do gênero e seu futuro incerto.
Os jogos de tiro em primeira pessoa (FPS) já foram a espinha dorsal da indústria de videogames, dominando tanto o cenário competitivo quanto o casual. Franquias como Call of Duty, Battlefield e Halo não apenas definiram o gênero, mas também moldaram a cultura gamer em suas respectivas eras de ouro. No entanto, nos últimos anos, muitos fãs têm sentido que esses jogos perderam o brilho, com reclamações frequentes sobre a perda de identidade, a "Fortnitização" do gênero e a priorização de mecânicas e estéticas voltadas para um público mais jovem.
A Era de Ouro dos FPS
Entre o final dos anos 1990 e meados da década de 2010, os jogos de tiro em primeira pessoa (FPS) viveram seu auge, impulsionados por avanços tecnológicos, narrativas envolventes e modos multiplayer que revolucionaram o gênero. Títulos como Call of Duty 4: Modern Warfare (2007), Battlefield 3 (2011), Battlefield 4 (2013), Halo 2 (2004) e Halo 3 (2007) são frequentemente lembrados como marcos dessa era. Essas produções combinavam campanhas single-player cinematográficas com modos multiplayer competitivos, oferecendo profundidade tática e alto nível de imersão.
Call of Duty 4: Modern Warfare: Revolucionou o gênero com uma narrativa moderna envolvente e um multiplayer que se tornou referência, trazendo mapas icônicos como Shipment e Crash, além de um sistema de progressão altamente viciante.
Battlefield 3 e 4: Famosos por seus mapas vastos, combates com veículos e ambientes destrutíveis, esses jogos elevaram o padrão de escala, imersão e realismo dentro do FPS.
Halo 2 e 3: A franquia Halo consolidou-se com uma jogabilidade fluida, mapas lendários como Blood Gulch e uma narrativa sci-fi épica, além de popularizar o multiplayer online via Xbox Live.
Esses jogos compartilhavam uma identidade militar bem definida, com foco em realismo mesmo que estilizado e mecânicas que premiavam habilidade, precisão e estratégia. O público, majoritariamente jovem adulto, se conectava com a sensação de estar no controle de um soldado em cenários intensos e críveis.
Quando o Declínio Começou?
O declínio percebido dos FPS começou a se manifestar por volta de 2014, com picos de insatisfação entre 2016 e 2020. Embora as franquias ainda sustentassem números expressivos de vendas e jogadores, as críticas dos fãs se intensificaram, apontando para uma perda de identidade e foco. Alguns marcos que simbolizam essa fase incluem:
Halo 5: Guardians (2015): Apesar das inovações na mobilidade, a campanha foi mal recebida, enquanto o multiplayer embora competente não conseguiu atingir a mesma relevância cultural dos tempos de Halo 2, Halo 3 e até mesmo Halo 4.
Call of Duty: Infinite Warfare (2016): Apesar de bem avaliado pela crítica, o jogo foi amplamente rejeitado pelos fãs devido à ambientação futurista que se distanciava das raízes militares da série. O trailer de lançamento se tornou um dos vídeos mais negativados da história do YouTube, refletindo o descontentamento com a direção da franquia.
Battlefield V (2018): Alvo de críticas por suas escolhas históricas controversas e pela escassez de conteúdo no lançamento, o jogo não conseguiu repetir o impacto de Battlefield 1 (2016). A impressão de que a DICE priorizava cosméticos e agendas superficiais em vez da jogabilidade central apenas aumentou o desânimo da base de fãs.
Paralelamente, a ascensão dos hero shooters ajudou a moldar um novo perfil de FPS mais colorido, “cartunesco” e voltado a habilidades únicas de personagens. O principal expoente desse movimento foi Overwatch, da Blizzard, que conquistou popularidade avassaladora e chegou a vencer o GOTY em 2016. Embora inegavelmente bem-sucedido, seu sucesso também marcou uma ruptura com o estilo mais "hardcore" dos FPS tradicionais.
Com Overwatch, o gênero começou a adotar uma abordagem mais acessível e visualmente leve, priorizando design de personagens e microtransações. Essa transição, somada à “Fortnitização” estética que viria logo depois, ajudou a consolidar a percepção de que os FPS estavam sendo diluídos para agradar a um público mais amplo, mas menos exigente algo que muitos veteranos da velha guarda viram como traição ao espírito original do gênero.
A "Fortnitização" e a Perda da Identidade Militar
Um dos fatores mais recorrentes nas discussões sobre o declínio dos FPS tradicionais é a chamada “Fortnitização” termo usado para descrever a adoção em massa de elementos popularizados por Fortnite (2017). Isso inclui skins coloridas, emotes caricatos, danças virais, passes de batalha sazonais e mecânicas derivadas do modelo battle royale.
Fortnite não só revolucionou o mercado com seu formato free-to-play, mas também redefiniu o que significa “popular” na indústria. Com gráficos cartunescos e uma estética voltada claramente para o público infantojuvenil, o jogo se tornou uma máquina de monetização e engajamento, cativando milhões de jogadores especialmente crianças e adolescentes e influenciando profundamente o design de jogos em todas as frentes.
Esse sucesso massivo provocou um efeito cascata: franquias clássicas começaram a assimilar esses elementos na tentativa de manter relevância. Jogos como Call of Duty: Warzone, Battlefield 2042 e até Halo Infinite adotaram modelos de serviço contínuo com passes de batalha, cosméticos vibrantes e eventos sazonais que priorizavam engajamento superficial em vez de profundidade tática ou identidade narrativa.
Para muitos veteranos do gênero, essa mudança representou uma diluição da essência dos FPS. A fantasia de estar em uma zona de guerra tensa e verossímil foi substituída por soldados dançando, usando fantasias chamativas e competindo em mapas pensados mais para clipes virais do que para partidas intensas e estratégicas.
Em resumo, a "Fortnitização" não apenas afetou a aparência dos jogos, mas também redefiniu prioridades dentro da indústria, trocando imersão e autenticidade por retenção e monetização rápida. E embora esse modelo funcione financeiramente, sua influência sobre os FPS tradicionais é, no mínimo, controversa.
A Idade do Público: Um Fator Relevante?
A mudança no público-alvo dos FPS é um dos pontos centrais no debate sobre o declínio do gênero. Historicamente, franquias como Call of Duty e Battlefield foram projetadas para um público jovem adulto (18 a 30 anos), que buscava experiências intensas, imersivas e realistas. No entanto, a partir dos anos 2017, as desenvolvedoras começaram a mirar em faixas etárias mais baixas entre 10 e 17 anos com o objetivo de maximizar o alcance e os lucros por meio de estratégias de monetização agressivas.
Skins Coloridas e Emotes: A explosão de visuais chamativos, fantasias absurdas e dancinhas “virais” apelam diretamente para o público infantojuvenil, que responde com alto engajamento e gasto recorrente em microtransações. Dados da indústria mostram que jogadores mais jovens são mais propensos a investir em itens cosméticos, impulsionando o modelo de negócios baseado em conteúdo sazonal e visual.
Jogabilidade Simplificada: Recuo controlado, assistência de mira generosa e matchmaking baseado em habilidade (SBMM) tornam os jogos mais acessíveis mas também diluem o desafio. Essa simplificação atende ao público casual, mas afasta jogadores veteranos que buscam experiências mais exigentes e técnicas.
Marketing Infantilizado: As parcerias com marcas da cultura pop (animações, celebridades teen, streamers de Fortnite) e o uso constante de influenciadores do TikTok e YouTube reforçam a sensação de que os FPS modernos são moldados para agradar crianças e adolescentes e não mais o público que ajudou a consolidar o gênero nos anos 2000 e 2010.
Como os FPS Podem Voltar à Era de Ouro?
Se quiserem recuperar o brilho da era de ouro, os FPS precisam parar de correr atrás de tendências e começar a ouvir quem sustentou o gênero por décadas. A chave está em equilibrar inovação com respeito às origens e isso exige decisões corajosas. Aqui vão cinco caminhos claros:
1. Resgatar a identidade militar e o tom sério
- A era dourada dos FPS era marcada por estética realista e narrativa densa. Modern Warfare (2019) mostrou que ainda há demanda por esse estilo.
- Campanhas single-player sólidas, como Call of Duty 4 ou Halo 3, tinham algo que hoje parece raro: alma. Elas ofereciam histórias memoráveis, com ritmo, peso e propósito e não só uma desculpa para vender passe de batalha.
2. Inovar sem virar clone
- Chega de copiar Fortnite. O sucesso de FPS táticos como Insurgency: Sandstorm e Hell Let Loose prova que há espaço para experiências mais cruas, realistas e exigentes. Originalidade ainda vende.
- Subgêneros são bem-vindos hero shooters, looter shooters, arena shooters mas cada jogo precisa ter identidade própria, e não parecer mais um produto feito por IA com skin da semana.
3. Reconquistar o público adulto
- Os jogadores mais experientes estão cansados de jogabilidade simplificada. Modos hardcore, progressão por mérito e ausência de “mãozinha” (como mira automática) são diferenciais que fidelizam quem busca desafio.
- É preciso reduzir o foco em cosméticos bobos e retomar a progressão baseada em habilidade, feitos dentro do jogo e não comprados em loja.
4. Fortalecer a comunidade e a competição
- FPS sempre foram sobre rivalidade, reflexo e estratégia. Títulos como CS:GO sobreviveram porque construíram ecossistemas robustos, com esports, servidores comunitários e atualizações constantes.
- Melhorar o suporte pós-lançamento, corrigindo bugs rapidamente e adicionando conteúdo gratuito.
5. Aproveitar novas tecnologias de forma inteligente
- Half-Life: Alyx mostrou que realidade virtual, quando bem usada, pode renovar o gênero e não ser apenas gimmick.
- A inteligência artificial também tem potencial para evoluir a experiência: basta lembrar de como os inimigos de F.E.A.R. (2005) ainda hoje são referência em comportamento tático. Por que não dar esse próximo passo com o hardware atual?
Se os estúdios tiverem coragem de ouvir os veteranos, em vez de correr atrás do hype do momento, o FPS ainda pode ter um futuro glorioso. Basta lembrar quem realmente colocou esse gênero no topo e fazer jogos para eles.

Fã de ficção científica (de steampunk a sail punk), animes, mangás e games. No Refúgio Gamer, irei compartilhar as principais notícias e rumores da indústria de games.