Análise de Clair Obscur: Expedition 33
O Jogo Do Ano de 2025?
Introdução:
Clair Obscur: Expedition 33 foi lançado em 24 de abril de 2025 chegando como uma surpresa avassaladora para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC. Desenvolvido pelo estúdio estreante (mas genial) Sandfall Interactive, o jogo foi feito na Unreal Engine 5 e, para a alegria de muitos, foi um lançamento day one no Game Pass, tornando esta obra-prima acessível a milhões instantaneamente. Você pode ler a historia da criação da Sandfall neste artigo.
Sinopse:
Sem entrar em territórios perigosos de spoilers, a premissa oficial do estúdio é simples, mas carregada de tensão: no mundo de Lumière, uma entidade misteriosa conhecida como Artífice pinta um número em um monólito colossal todo ano, condenando à morte todos que alcançam essa idade, evento conhecido como Gommage. A Expedition 33 é o grupo de heróis que se aventura para confrontar essa força implacável e quebrar o ciclo de destruição. É uma narrativa de resistência coletiva contra o inevitável, ambientada em um universo inspirado na França da Belle Époque, com toques de fantasia sombria que evocam uma sensação de urgência e melancolia.
Inspirações do Jogo:
O jogo é inspirado diretamente no livro francês de 2004 "La Horde du Contrevent", de Alain Damasio, uma obra de ficção científica que narra a história de grupos de guerreiros com a missão de atravessar um planeta dominado por ventos implacáveis que sopram do oeste para o leste. Eles tentam descobrir a origem desse fenômeno estranho e poderoso, que se acredita estar além do mundo conhecido. Esses grupos de guerreiros são divididos em expedições de 20 a 30 membros, cada uma avançando um pouco mais que a anterior antes de perecer no meio da jornada.

Cada membro tem sua especialidade, como rastreadores, lutadores, cartógrafos, escribas e outros, formando uma equipe organizada para sobreviver às condições brutais do caminho. O livro aborda questões filosóficas e físicas, como perseverança, a natureza do tempo, força coletiva versus vontade individual, e a busca por significado em um universo caótico. Cada personagem tem seus próprios glifos e tons de voz para indicar quem está falando, e o vento é quase um personagem, uma força invisível que molda os destinos. Quem já jogou Expedition 33 vai reconhecer muitos desses elementos no jogo.
Outra inspiração presente no nome do jogo (e da franquia) é a primeira pista: "Clair Obscur" (ou Chiaroscuro, em italiano) é uma técnica de arte renascentista que usa contrastes extremos entre luz (claro) e escuridão (escuro) para criar profundidade e drama. O jogo é isso: um contraste constante entre a beleza impressionante do mundo e a melancolia esmagadora da morte inevitável, entre a esperança e o desespero.
Outra inspiração que já mencionei e a mais óbvia é a "La Belle Époque" francesa (final do século XIX e início do século XX). Expedition 33 pega essa estética Art Nouveau e a mergulha em uma fantasia sombria, criando um mundo que parece saído de um sonho.
Narrativa e Desenvolvimento de Personagens:
Se Expedition 33 é sobre uma coisa, é sobre Luto.
Mas não aquele luto raso e forçado que serve de gatilho narrativo barato. É o luto real, que corrói por dentro.
A genialidade da premissa é sua simplicidade opressora. Artífice não é uma vilã que quer dominar o mundo, ela é uma força da natureza um relógio do juízo final. O mundo do jogo não está em guerra; ele está em uma sala de espera, aguardando a próxima consulta com a morte. Isso cria uma estrutura narrativa única. "Expedição 33" não é uma jornada de descoberta, mas uma corrida contra o tempo. Os diálogos são o grande destaque, transmitindo o peso de cada palavra sem nunca cair em melodramas baratos. Quando um personagem chora, você sente a profundidade daquela emoção. Quando há uma piada, percebe-se o desespero oculto por trás de um sorriso forçado.
O jogo é uma exploração magistral das diferentes formas de lidar com a perda e a inevitabilidade da morte. O mundo inteiro vive em um estado de "aceitação" forçada. As pessoas comemoram seus aniversários com tristeza, sabendo que cada ano as aproxima do fim. A Expedição 33 é, em essência, um grupo de pessoas que se recusam a aceitar. Eles são a personificação da Negação e da Raiva. A jornada deles é uma tentativa desesperada de Barganha com o destino.
O elenco de Expedition 33 é um dos mais bem construídos da história dos RPGs. Não há "escolhidos". Há apenas pessoas desesperadas e determinadas.
Gustave: O líder relutante. Ele não está ali porque é o mais forte, mas porque é o mais teimoso. Ele é o motor da expedição, mas carrega um peso que o quebra visivelmente ao longo da jornada.
Maelle: Ela é uma adolescente órfã desde cedo, com dificuldades de confiança, determinada a encontrar seu lugar no mundo. Ela é rebelde, que pode afastar alguns jogadores de início.
Lune: Lune é a observadora, quieta, curiosa é a personagem que mais visivelmente carrega o peso do mundo em seus ombros. Em combate, ela pode ser a "maga" ou "curandeira", mas na narrativa, ela é a âncora espiritual. Ela é quem percebe as pequenas mudanças de humor nos outros, quem oferece um ombro sem fazer perguntas e quem, muitas vezes, faz as perguntas filosóficas mais difíceis sobre a natureza da Artífice.
Sciel: Ela é o contraponto direto de Lune e, honestamente, a personagem mais tragicamente humano de todo o elenco. Sciel é a "piadista". Ela é a sarcástica, a cínica, a primeira a fazer um comentário ácido para quebrar a tensão e a última a admitir que está com medo.
O jogo usa um sistema de "Acampamento" (similar a Final Fantasy XV) onde, ao descansar, você pode ter conversas profundas. É nesses momentos que as barreiras caem. Vemos esses heróis falharem, duvidarem de si mesmos e se apoiarem mutuamente. O desenvolvimento deles não acontece em cutscenes expositivas, mas em diálogos opcionais e na forma como reagem às missões.
Mas todo o peso da narrativa e dos diálogos seria em vão se o jogo não contasse com um fenomenal elenco de vozes, e que elenco para dar vida a isso! Charlie Cox (Gustave), Jennifer English (Maelle), Kirsty Rider (Lune), Shala Nyx (Sciel), o trabalho deles é incrível e eleva os diálogos ao nível cinema.
Gameplay:
Muitos jogos tentaram, mas Clair Obscur: Expedition 33 foi o que conseguiu: ele pegou a fórmula do JRPG de turno, que amamos há décadas, e a tornou visceral, reativa e incrivelmente moderna. O gameplay não é apenas uma parte do jogo; é a linguagem que ele usa para reforçar sua narrativa de desespero e luta.

O sistema de batalha é a joia da coroa. A Sandfall Interactive o chama de "RPG de turno ativo" é um híbrido genial que pega o melhor de vários mundos:
A Base (JRPG Clássico): A estrutura é familiar. Você vê a ordem dos turnos (definida pelo atributo Agilidade), escolhe suas ações (Ataque, Habilidade, Item) e planeja sua estratégia.
O Tempo de Reação (Estilo Mario RPG): Aqui tudo muda. Não basta escolher "atacar".
Ataques Ativos: Ao executar uma habilidade ou ataque, um timing perfeito no botão aumenta drasticamente o dano, muda a animação e pode aplicar efeitos extras.
Defesa Ativa: Esta é a chave para a sobrevivência. Quando um inimigo ataca, você NÃO fica parado. Você deve aparar (parry) ou desviar no momento exato. Errar o timing significa dano massivo; acertar é a diferença entre a vida e a morte.
O "Parry" Perfeito: Acertar o parry com precisão não apenas reduz o dano. Ele pode quebrar a postura do inimigo, atordoá-lo, cancelar seu próximo turno ou, em certos casos, abrir uma janela para um devastador contra-ataque aéreo, onde outro membro da equipe pode emendar um combo.
Um grande ponto positivo desse sistema é a possibilidade de enfrentar inimigos claramente acima do nosso nível, basta conseguir evitar os ataques.
O Modo "Tiro Livre"
Esta é a mecânica que define Expedition 33. A qualquer momento no seu turno, ao custo de um ponto de ação, qualquer personagem pode entrar num modo de "Tiro Livre". O jogo pausa e a câmera assume uma posição sobre o ombro, permitindo que você mire livremente com um retículo. O que dá uma abordagem tática muito boa ao game, permitindo atirar em pontos fracos dos inimigos.
O Sistema de "Luminas" e "Pictos"
Se o combate de Expedition 33 é o motor de um carro de corrida, os sistemas de Luminas e Pictos são a engenharia de precisão debaixo do capô. É aqui que o jogo se transforma de um JRPG de ação excelente em uma obra-prima de estratégia e personalização.
O que são os pictos? Pictos é um equipamento com um efeito passivo único que aumenta as estatísticas de combate do herói. Cada personagem possui três espaços disponíveis, e o mesmo equipamento só pode ser equipado por um lutador. Por isso, escolher e posicionar os itens com base nas estatísticas adicionais é uma parte crucial para uma boa estratégia de construção.
O equipamento pode conter as seguintes características:
Velocidade
Chance de acerto crítico
Defesa
Vida
Os Pictos são encontrados pelo mundo, "dropados" de chefes, ou comprados em mercadores.
O que é lumina e como ela é diferente de pictos?
Lumina pode ser considerada uma cópia do efeito passivo que é equipado para todos os aliados, exceto o dono dos pictos de mesmo nome. Para desbloquear uma lumina, você só precisa estar com os pictos que deseja equipados e ganhar 4 batalhas, assim irá desbloquear uma versão do picto para todos os outros personagens, porém só vem o efeito, o atributo é só para o picto.
Trilha Sonora:
Ah, a trilha sonora... Que belo trabalho fez Lorien Testard, o compositor por trás disso, entregou uma obra-prima. Testard, que veio de origens humildes (fazendo faixas semanais no Soundcloud antes de Expedition 33), criou uma OST dinâmica que responde ao que você faz: muda de intensidade em batalhas, evoca melancolia em explorações e explode em momentos épicos. São faixas orquestradas com toques de ópera francesa, misturando cordas dramáticas, vocais etéreos e ritmos pulsantes que capturam o Clair Obscur do jogo. É uma das melhores trilhas dos últimos anos nos games, rivalizando com gigantes como Final Fantasy, The Elder Scrolls e Halo. Se você não sair ouvindo a OST no loop depois, algo está errado.
Construção de Mundo e Level Design:
O mundo de Expedition 33 é de cair o queixo. A direção de arte é possivelmente a mais forte da geração ao lado de Ghost of Yotei. A fusão da estética Belle Époque com elementos de fantasia sombria cria uma identidade visual única. Cidades que lembram uma Paris mágica, florestas distorcidas pela dor e ruínas de eras passadas são desenhadas com um nível de detalhe absurdo.

O jogo tem o "Continente" que serve como HUB, ele tem segredos, boss opcionais, conectando as áreas dos objetivos. Se eu tenho uma crítica ao jogo é exatamente na exploração do mundo, não é ruim, mas poderia ser melhor. Para quem quer o 100% o jogo possui bastante backtracking, o que eleva e muito as horas de gameplay.
Aspectos Técnicos:
Sandfall fez um uso exemplar da Unreal Engine 5: visuais lindos, usaram a engine aqui para potencializar a arte,a iluminação é a verdadeira estrela—o "claro-escuro" é literal, com raios de sol deslumbrantes cortando vielas escuras e efeitos de partículas mágicas que explodem na tela.
Joguei no PS5 Base no modo performance e o jogo se saiu muito bem, manteve uma taxa de quadros sólida mesmo nas batalhas mais caóticas, e o modo fidelidade transforma cada cena em uma pintura digital. Os loadings são praticamente inexistentes, e o uso do DualSense é sutil, mas imersivo.
Conclusão:
Clair Obscur: Expedition 33 não é apenas um jogo. É um evento. É uma declaração artística de um estúdio estreante que chegou chutando a porta da indústria. Também é uma declaração de amor ao RPG por turno.
Ele pega a estrutura familiar de um JRPG, injeta nela uma das mecânicas de combate mais inovadoras, e a envolve em uma direção de arte impecável. Acima de tudo, ele conta uma história humana, dolorosa e inesquecível sobre luto e esperança.
É, sem sombra de dúvida, o principal e mais forte candidato ao GOTY (Jogo do Ano) de 2025. Mais do que isso, é um dos melhores jogos de todos os tempos.

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